Entrevista: os desafios de ser gay em uma cidade pequena e tradicionalista

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Jovem de Angelândia contou à reportagem do Portal Gazeta dos Vales sua história de vida. “Já sofri com homofobia várias vezes. Fui agredido fisicamente sem ter feito nada, apenas por ser como eu sou”. 

Por Walisson Oliveira – Jornalista  

Para além das pessoas que conhecem Antônio Lucena, de 27 anos, de Angelândia, por seus cabelos multicor; por escutar música, ler livros, fingir que sabe dançar; pela paixão de tomar uma cerveja e de estar com amigos, poucos sabem os desafios que ele encara cotidianamente por ser quem realmente é: um ser humano diverso. 

Aos 15 anos decidiu se mudar para Santa Catarina na busca de se tornar alguém melhor, conseguir trabalhar e estudar. O estado catarinense se fez lar por pouco tempo, seis meses. Sua jornada percorreu outras cidades do Brasil: São Paulo e Belo Horizonte. Esse último por 10 anos. Por lá, graduou-se em Engenharia de Produção pela UNA BH. 

No presente, em Angelândia, Antônio assume vaga pública ao ser convidado a integrar a equipe de Assistência Social da Prefeitura Municipal. Faz parte do Mãos Solidárias, um projeto solidário sem fins políticos que ajuda a população mais carente da cidade em formato mais humano possível: um aprendizado pelas diferenças. Confira a entrevista: 

Em sua perspectiva pessoal, o que significa ser gay? 

Ser gay é sair do armário todos os dias. É ter que provar todos os dias que você é uma pessoa boa, que você não tem uma doença. É ter que enfrentar pessoas dizendo, todos os dias, que eu tenho que negar minha existência para que outras pessoas possam viver em paz – afinal, ser gay, em público, ainda é considerado um crime na sociedade atual. É ter que ouvir, diariamente, piadas as quais são as mesmas que nos matam. Ser gay, em um país ou cidade pequena e tradicionalista, é andar em um campo minado todos os dias. 

Como se deu a descoberta da sua sexualidade? 

Cresci com comentários ofensivos por parte de moradores de Angelândia como, por exemplo, “bichinha”, “mulherzinha”, “viadinho”. Sempre gostei mais de queimada a futebol, de estar com meninas do que com os meninos. Eu paguei o preço por essas escolhas. À época, a única coisa que eu queria era brincar, fazer amigos e ser feliz. Ou seja: desde que me entendo enquanto ser humano, eu sempre soube que era diferente dos outros garotos. Posso afirmar que a descoberta da minha sexualidade se deu aos 15 anos, quando tive minha primeira relação com outro homem. Uma relação de respeito, amizade e cumplicidade. 

Como é ser gay em uma cidade pequena e tradicionalista? 

Numa cidade pequena existem vários obstáculos a serem ultrapassados. O que a difere de uma cidade grande é a questão da falta de acesso à diversidade humana e a ignorância como pilar de ordem normalizadora social. O machismo ainda vive enraizado. A família impõe ao filho que ele deve se casar [com uma mulher], ter filhos, constituir uma família. Pensamento retrógrado, uma vez que o machismo é uma das principais causas e brechas para o preconceito. Atualmente, acordo e me encontro nos olhares ao meu redor. Olhares de nojo e reprovação. Não posso contar com os “amigos” heterossexuais, pois eles sentem medo do que os outros pensarão. Além disso, sou visto como um objeto sexual por pessoas que acham que, só por eu ser gay, a única coisa que eu busco é relação sexual. 

Quais os desafios encontrados por você cotidianamente? 

O olhar de reprovação é o maior desafio. Há também sentimento de tristeza: algumas pessoas tem medo de se aproximar de mim. O que é proferido pelas más línguas da cidade sobre mim e sobre nós LGBT+ é um dos principais fatores. Além disso, há muitos indivíduos que só se aproximam por interesse financeiro. Então, diferenciar quais os principais desafios é uma tarefa difícil! 

Já sofreu homofobia? 

Várias vezes. Já fui agredido fisicamente sem ter feito nada, apenas por ser como eu sou.  

Agredido tanto fisicamente quanto psicologicamente. Isso porque quando você faz algo de errado e apanha, você sabe porque apanhou. Mas quando você apanha sem ter feito nada de errado, você fica com um dor no peito e uma série de questionamentos sobre o porquê daquilo ter ocorrido. Eu não sou diferente de qualquer outro homossexual. Convivemos diariamente com a homofobia. Não só a homofobia em si, como também ouvir de sociedade que tudo o que sofremos é vitimismo.  

Você já escondeu sua sexualidade por medo? 

Tentei escondê-la até os 18 anos. Fingia ser quem eu não era e eu não era feliz por essa escolha. O maior medo de qualquer pessoa é a reação da família. Eu sentia um medo tão grande deles descobrirem e não me apoiarem. Quando disse, à época, por envio de uma mensagem de texto, eu já morava em outra cidade. O único pensamento que me percorria naquele momento era morrer. Morrer. Sem a aceitação por parte deles eu não teria mais nada na vida. Porém, meus irmãos me ligaram e disseram que, para além da minha orientação sexual, me amariam independente de tudo e de todos. 

Como é se libertar dos padrões da sexualidade? 

É tão incrível, que não é possível explicar a sensação. É mistura de liberdade, felicidade, amor próprio, vontade de viver, vontade de amar.  É como se libertar de uma prisão. 

Promover a diversidade é uma ação importante para garantir direitos iguais, tratamento justo e respeitosos às pessoas LGBT+? 

Promover a diversidade é uma ação não apenas importante como necessária. Já tivemos um caso de um LGBT+ assassinado em plena praça pública de forma muito violenta. Acredito que está na hora da população compreender o significado da palavra respeito, pois não importa a sexualidade da pessoa, o respeito é uma obrigação! 

O que você espera, num futuro próximo, sobre o respeito às diferenças? 

Espero que as pessoas se respeitem independente de qualquer coisa. Que todo o ódio seja convertido em amor e que qualquer pessoa possa sair de casa e não correr o risco de apanha ou morrer apenas por ser diferente pelo que foi imposto pela sociedade! 

Foto: Arquivo pessoal/Antônio Lucena. 

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