Por todo lado, Minas Gerais tem estradas desmanteladas ou à espera de reparação

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Em São José do Goiabal, na região do Rio Doce, Gerimal da Silva vê a casa se equilibrar entre um barranco que se formou onde era o quintal, na parte de trás, e, na frente, uma cratera aberta na MG–320. “É esperar eles arrumarem, fazer alguma coisa, porque, para onde ir, a gente não tem também”, afirma. Na zona rural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, João Aparecido Pego Vieira se cansou de esperar. Quando quer mandar para a cidade o leite produzido na fazenda às margens da MG–211, ele mesmo pega a enxada para abrir caminho na estrada de chão.

Gerimal mora a quase 400 kM de João, mas um fator os aproxima: a falta de infraestrutura nas vias. Assim como para os dois, esse problema é comum para moradores de todos os cantos de Minas Gerais. Um levantamento inédito feito pelo jornal O TEMPO em 42 microrregiões, a partir de definição da Associação Mineira de Municípios (AMM), revela que pelo Estado inteiro existem rodovias estaduais ou federais com necessidade de obras urgentes.

Com as fortes chuvas na virada de 2021 para 2022, mais de cem pontos foram total ou parcialmente interditados nas estradas mineiras por causa de queda de barreiras e de pontes e do aumento dos buracos. Apesar de esse tipo de transtorno ser comum em períodos chuvosos, neste ano uma particularidade agravou ainda mais a situação: o acesso não foi comprometido apenas em vias vicinais, que ligam distritos e cidades vizinhas, mas em rodovias com forte fluxo de veículos e grande relevância no escoamento interestadual da produção. E tudo isso aconteceu em vários pontos ao mesmo tempo, o que potencializou perdas não só econômicas, como também ambientais e sociais, com limitação de acesso à educação e à saúde, por exemplo.

A pesquisa de O TEMPO foi feita para mensurar esses impactos, mas encontrou problemas estruturais muito maiores, como falta de asfalto e de sinalização, obras abandonadas e altíssimo índice de acidentes.

Na maior malha rodoviária do país, o retrato é preocupante, e as condições são piores do que na média nacional. Antes das chuvas avassaladoras que desabaram sobre Minas no começo deste ano, 69,9% das rodovias que cortam o Estado já estavam em condições regulares, ruins ou péssimas, segundo a Pesquisa CNT de Rodovias 2021, que verificou cerca de 15,9 mil quilômetros. No Brasil, esse índice é de 61,8%.

Alto custo

O custo desse impacto para 2022, incluindo reparações dos danos das chuvas, ainda nem foi calculado. Entretanto, já é possível afirmar, com base na Lei Orçamentária Anual (LOA 2022), que nem todo o dinheiro previsto para as estradas federais do Brasil inteiro seria suficiente para consertar sequer os reparos emergenciais em Minas. Essas melhorias custariam, segundo estimativas da Confederação Nacional do Transporte (CNT), R$ 11,6 bilhões. Já o valor liberado para o país todo neste ano é de R$ 8,58 bilhões. Ou seja, num momento em que mais se precisaria de recursos, este é o menor montante destinado às rodovias federais dos últimos 20 anos.

Baixo investimento

O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, afirma que a precariedade das rodovias brasileiras não é culpa das chuvas. “Do jeito que as coisas são colocadas ao público, fica parecendo que o problema é climático. Mas obra de engenharia é projetada para suportar chuva. Então, na verdade, isso é apenas uma boa desculpa para justificar dificuldades de gestão”, diz.

Segundo Batista, a não ser em situações excepcionais, como erosão e rompimento de barreiras, é irresponsabilidade culpar as chuvas quando as causas das más condições das estradas têm mais relação com a falta de investimento. “Estamos no menor nível de investimento dos últimos 20 anos. Seria muito mais fácil investir em prevenção, mesmo porque, quando a conta inclui vidas, não tem nada que pague. Não foram as chuvas que trouxeram o problema, e, sem investimento (em manutenção), agora os gastos terão que ser ainda maiores”, analisa Batista.

Até mesmo o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), responsável pelas rodovias estaduais, admite que a situação atual é caótica. “As rodovias se encontram em situação precária, temos muitos problemas, buracos, erosões de bordo, rompimento de bueiros”, assume Robson Santana, diretor geral do DER. Segundo ele, a precariedade atual é fruto de 12 anos sem investimento de governos no órgão que cuida das estradas. “Juntamente com o maior período chuvoso da história, em que mais de 400 municípios foram atingidos e decretaram estado de calamidade”, completa.

O que diz o Estado

A administração estadual se escora na indenização paga pela Vale, devido ao rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão. Ocorrida em 2019, no município de Brumadinho, a tragédia resultou em reparação financeira total da ordem de R$ 37,6 bilhões. Desse valor, R$ 700 milhões estão sendo destinados para recuperação de rodovias, segundo Santana. Um levantamento feito pelo órgão demonstrou que Minas Gerais possui 4.000 km de estradas em estado ruim ou péssimo. Desses, 800 km estão passando atualmente por obras, segundo o DER.

Espera

Gerimal já conta 15 anos de uma espera sem fim por melhorias na rodovia que quase engole a casa dele, à medida que a cratera formada na MG–320 vai ficando maior. E João tenta se virar para conseguir vender o leite de onde ele tira a fonte para sustentar a família há 30 anos. “Quando a estrada está menos pior, um caminhão com resfriador pega o leite aqui. Nos últimos tempos, eu tenho que levar até a cidade para que lá eles peguem a produção para seguir para o laticínio. Com o combustível no preço que está, é um custo um pouco maior de produção”, relata. Às vezes, sai mais em conta para ele se juntar com outros moradores da região e fazer a manutenção da estrada com as próprias mãos.

Fonte: Estado de Minas

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