MG-211: Buracos são sentença de morte para quem precisa chegar com urgência ao hospital

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Todo fim de tarde, José Rodrigues da Cruz, 72, pegava um banquinho e se sentava na porta de casa, às margens da MG–211, na zona rural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, para ver quem chegava da cidade após o expediente. Nascido e criado na região, ele conhecia cada buraco da rodovia, que não teve o prazer de ver asfaltada. Há um ano, a falta de estrutura na via o impediu de chegar a tempo ao hospital após um mal-estar, que o levou à morte precoce. Um caso que não é isolado no Estado com a maior malha rodoviária do país e onde muitas dessas estradas estão em condições precárias.

Seu José, como era chamado pelos amigos, foi sentenciado pelos buracos da MG–211. “A estrada estava muito esburacada, e, por mais que a gente tentasse se desviar, o carro foi batendo muito, e acabamos demorando para chegar ao hospital. O médico disse que esses baques fizeram piorar a hemorragia do meu pai e podem ter sido a causa do rompimento da veia na cabeça nele. Assim que ele morreu, a equipe falou que, se a gente tivesse conseguido chegar lá uns minutos antes, talvez a história tivesse sido diferente”, lamenta a filha Marta Nogueira Fernandes, 48. 

Um “se” que tem sido causa de revolta dos familiares dele desde aquele 27 de março de 2021, quando um senhor aparentemente saudável, que ainda trabalhava na roça, se despediu de cinco filhos, 14 netos e da esposa, inconformada até hoje. “Meu pai era muito na dele, mas tinha muitas atitudes carinhosas que a gente nunca vai esquecer. Quando eu ia pegar ônibus na porta da casa dele, ele me falava para entrar e tomar um café enquanto ele vigiava a estrada. Quando o ônibus virava na curva lá em cima, ele me chamava. Ele ficava tanto ali naquela porta, que reconhecia até o farol do ônibus a distância”, lembra Marta. 

Cenas cotidianas que não vão mais se repetir, assim como as idas semanais ao sítio de Severo Alves dos Santos, 75, com a família. Há cinco anos, ele também não conseguiu atravessar a MG–211 a tempo para se salvar de um infarto. “Eu me lembro como se fosse ontem. Era no período de seca, e a estrada estava buraco puro. Colocamos ele no carro, e, num trajeto que daria para fazer em 20 minutos, gastamos mais de uma hora. A médica falou que, se a gente tivesse chegado cinco minutos antes, dava para salvá-lo”, conta o genro Dionísio Alves Pereira, 46. 

Todos os fins de semana, a família ia ao sítio na zona rural de Capelinha. “Meu sogro tinha só um problema no coração, mas era muito ativo. Trabalhava, fazia artesanato, mexia na roça. Ele morava comigo e com minha esposa na cidade. Desde que isso aconteceu, ela não conseguiu mais voltar naquela casa onde a gente morava, está até à venda. Ela entrou em depressão, e nada voltou a ser como antes. O que fica para a gente é uma sensação de abandono. Estamos esquecidos pelo poder público”, desabafa com a dor de quem conduziu o veículo na tentativa de salvar o sogro e se viu impotente diante da falta de estrutura da estrada. 

Depois do episódio, a família se mudou para o sítio e ficou mais à mercê da MG–211 ainda, uma vez que agora não passam por ela somente aos fins de semana, e sim todos os dias. Recentemente, Dionísio sofreu um acidente. “No início deste ano, eu arrisquei sair em um dia de chuva para resolver uma emergência na cidade. Em uma curva, o carro deslizou, e eu desci em uma pirambeira. Dei muita sorte de sair inteiro, mas meu carro quebrou toda a parte da frente”, conta. Passado o susto, veio a decisão de deixar o filho, de 12 anos, morar com a sogra na cidade para ele não ter que enfrentar a estrada todos os dias ao ir para a escola. “A gente sente saudades demais dele, mas não dá para ele se arriscar todos os dias”, diz.

Do Jornal O Tempo

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